Home Internacional O que há por trás da ruína econômica e política do Líbano

O que há por trás da ruína econômica e política do Líbano

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Explosão no porto de Beirute acontece no pior momento desde o fim da guerra civil (1975-1990) no país, que passa por uma situação de penúria generalizada, acelerada pela pandemia de Covid-19

A situação no Líbano agravou-se muito desde o final do ano passado, quando o país começou a sediar grandes protestos motivados por revolta com a profunda crise econômica e a ineficácia e corrupção da classe política. A explosão no porto de Beirute acontece em um dos piores momentos desde o fim da guerra civil (1975-1990) no país árabe, que passa por uma situação de penúria generalizada, acelerada pela pandemia de Covid-19.

A maioria dos preços quase triplicou desde março, enquanto o valor da moeda nacional caiu 80%, e grande parte do país parou. Segundo Steve Hanke, da Universidade Johns Hopkins, a inflação atualmente ultrapassa 52% ao mês, o que caracteriza hiperinflação. A miséria e o crime disparam, o desemprego chega a um terço da população e, em março, o país pela primeira vez deixou de pagar um título da dívida externa, podendo fazer o mesmo com outro em breve, enquanto tenta negociar um empréstimo com o FMI.

Com perdas avassaladoras, varejistas conhecidos estão fechando até a moeda estabilizar. Metade da população deve entrar na pobreza neste ano. Em julho, uma onda de suicídios foi associada ao desmoronamento econômico.

Há cerca de uma década, no entanto, o PIB libanês crescia entre 8% e 9% ao ano. Várias razões, incluindo o impacto da guerra na Síria, turbulências regionais mais amplas e a redução de fluxos de capital vindos do exterior levaram o número a cair bruscamente. Após vários anos estacionado em 1% a 2%, o país teve um encolhimento estimado entre 5% e 6% em 2019, o que deve se agravar ainda mais neste ano.

A dívida pública galopante de 170% do PIB, a terceira mais alta do mundo, e a falta de reservas em dólares ajudam a explicar a queda. O país exporta pouco e importa muito, o que torna sua economia fortemente dependente de receitas enviadas do exterior por sua diáspora. A economia nos últimos 30 anos esteve baseada em serviços, turismo e investimentos estrangeiros, o que a fazia altamente dependente da situação política e da segurança regionais.

Apesar das taxas de juros cada vez mais altas, essas entradas vindas do exterior foram diminuindo. Isso levou a uma escassez de dólares e pressão sobre a libra libanesa, que entrou em colapso. Um salário de um milhão de libras libanesas hoje vale US$ 145, enquanto, há menos de dois anos, esse valor chegava a US$ 700. Considerados integrais à economia do país, os dólares, aos quais a libra está artificialmente vinculada desde 1997, desapareceram.

Apoio diminuto

Além da guerra na Síria, o crescente peso no governo do Hezbollah, apoiado por Teerã, e a percepção de que havia a necessidade de controlar influência do Irã no Oriente Médio contribuíram para a redução do apoio dos países aliados da região.

Quanto às nações ocidentais, que por anos forneceram fundos que permitiram ao Líbano sobreviver a anos de crise, também passaram a negar novos empréstimos, até que o país tomasse medidas claras em direção a reformas há muito prometidas.

Estes financiadores tinham a esperança de que houvesse avanços para ajustar um sistema usado por políticos que representam os diversos grupos religiosos do país para obter recursos estatais em proveito próprio, em vez de construir um Estado funcional, que resolvesse problemas antigos.

Um dos principais problemas é o setor da eletricidade, marcado por falhas e com alto índice de desperdício. O ramo energético se tornou um buraco financeiro que absorveu metade da dívida entre 2008 e 2017, segundo o Banco Mundial. Apesar de milhões em investimentos, o sistema de energia ainda está em péssimo estado: os libaneses sofrem cortes diários de luz dependem de geração privada cara para preencher as lacunas.

Enquanto isso, grande parte dos gastos do governo vai para o pagamento de um serviço público inchado, repleto de nomeados políticos.

Isto é facilitado pelo próprio sistema político libanês. Ao contrário de muitos países árabes, o Líbano não é dominado por um governante forte, mas tem vários líderes e partidos que dominam os vários grupos sectários do país e compartilham o poder.

Os cargos são distribuídos por cotas entre 18 denominações religiosas oficialmente reconhecidas, e o Parlamento é meio cristão e meio muçulmano. O primeiro-ministro deve ser sempre um muçulmano sunita, o presidente é um cristão maronita e o presidente do Parlamento, um xiita.

Críticos dizem que o sistema manteve a casta no poder indefinidamente e permitiu que os políticos colocassem seus próprios interesses acima dos do Estado.

Em seu conjunto, problemas como estes levaram à eclosão das grandes manifestações iniciadas em outubro de 2019, pedindo a reforma do sistema político, ações econômicas e medidas de socorro. As manifestações levaram à renúncia do primeiro-ministro Saaf Hariri, naquele mesmo mês, mas a situação piorou de lá até aqui.

Há oito semanas, o país pediu ao Fundo Monetário Internacional um resgate de US$ de 10 bilhões, com pouco progresso aparente. O ministro da Economia Raoul Nehme admite que o Líbano se tornou “um Estado falido”, mas afirma continuar confiante de que um acordo será fechado em breve. Após oito semanas de negociações, há poucos indícios de que ele esteja certo.

O Hezbollah, que domina o governo do primeiro-ministro Hassan Diab, alimenta a esperança de que o dinheiro possa ser encontrado em outros lugares, como na China, por exemplo. Diab se aproximou de outros Estados árabes, incluindo o Kuwait e o Catar, mas é improvável que eles invistam no Líbano sem apoio do FMI. A cisão política levou os principais negociadores libaneses a renunciarem em protesto contra a maneira como os políticos estão lidando com a crise.

Enquanto isso, grande parte da classe média libanesa afunda na pobreza, na miséria e na fome. As Forças Armadas cortaram a carne dos cardápios. O governo foi forçado a aumentar o preço do pão pela primeira vez em oito anos. E as luzes estão literalmente se apagando: grandes partes do país agora sofrem apagões de até 22 horas por dia, porque o Estado não pode pagar pelo combustível importado para operar os geradores.

* Com informações do Jornal O Globo