
Neste domingo (22), na cidade de Ghazzeh, no Vale do Bekaa, a casa da senhora Ikram Mohamad Majzoub amanheceu movimentada. É um entre e sai de pessoas querendo ter informação do seu filho. A notícia das condições de saúde dele se espalhou pela região e virou assunto em todas as rodas de conversas.
Depois de 09 meses encarcerado por um crime do qual foi testemunha, no Vale do Bekaa, Khaled Mohamad Majzoub (52) segue preso sem nenhuma acusação formal. O processo de investigação corre em segredo de justiça.
Majzoub foi detido no dia 22 de agosto de 2021, inicialmente em caráter de interrogatório, depois de ter presenciado o assassinato de uma empresária síria – uma amiga da família que estava em visita no Líbano.
De testemunha ocular do crime, Majzoub, um libanês com nacionalidade brasileira, que vive no Brasil há 35 anos, dono de uma grande rede de móveis na cidade paulista de São José dos Campos, passou a ser considerado suspeito pela justiça libanesa, mas até o momento, a justiça não apresentou nenhuma prova que possa incriminá-lo.
Além de presenciar a morte de uma pessoa amiga da família, Majzoub também foi vítima: ele e a sua mulher, Mona Abdul Latif El Majzoub voltavam de um jantar com a amiga Anam Ballat, quando foram vítimas de um atentado, que resultou na morte de Ballat.
“Está sendo extremamente complicado. O meu irmão e a mulher dele quase foram mortos. No dia seguinte, eles foram registrar um queixa crime e dar o depoimento à polícia, depois de algumas horas o meu irmão foi preso sem entender o porquê. Dois dias depois, fomos pegos de surpresa com a prisão da minha cunhada. E aí começou outro terror por causa desse sistema que não dá a oportunidade de falar, que acusa sem provas e mantém lá dentro sem perícia bem feita, sem provas nenhuma. Jogaram o meu irmão lá dentro e ele que se vire para provar sua inocência ”, diz indignado Ali Majzoub.
Ao todo, hoje completam 274 dias de espera na prisão. “A investigação como um todo é tão frágil, que não deverá conseguir resistir por tanto tempo. Meu irmão é inocente. Ele não mandou matar ninguém. Ele não tem nada que possa incriminá-lo no Líbano, no Brasil ou em qualquer parte do mundo. Somos honestos e neste momento, somos injustiçados,” continua Ali.
A pior face do sistema: Saúde frágil e sem acesso ao tratamento médico
Majzoub segue sem cuidados médicos específicos. Ele é paciente oncológico, foi diagnosticado com hepatite C e pedras nos rins.
Nas últimas semanas, na prisão, ele vem apresentando um quadro severo de diarreia, fortes dores abdominais, que segundo relatório médico atualizado, podem ser sequelas dos tratamentos para o câncer de reto, como radioterapia e cirurgia, que ele se submeteu no Brasil.
Por causa do câncer, Majzoub segue com algumas limitações. Na cirurgia do tumor do reto, ele também teve que retirar parte do intestino. Em plena pandemia, sendo grupo de risco, diante de uma situação psicologicamente terrível, ele ainda divide uma pequena cela com mais outro 30 detentos, na cidade de Jib Janine, no Vale do Bekaa.
O que dizem os vizinhos?
Andando pelas cidades da região do Vale do Bekaa, o assunto não poderia ser outro: Khaled Mohamad Majzoub. Em todas as rodas de conversa, o caso é questionado.
É possível presenciar o descontentamento das pessoas em relação ao que está ocorrendo. É o caso do líder religioso de Ghazzeh, cidade de origem de Majzoub.
O sheik Bilal Youssef conta que não se conforma com essa prisão. Na tarde do sábado (21), ele contou ter ligado para o plantão do Consulado do Brasil, comunicado que Majzoub não está bem na prisão e precisa de atendimento com rapidez.
“Fui informado que se realmente for constado que o Majzoub não está bem, eles irão agir na segunda-feira (23). Não entendi o motivo de te que esperar até segunda. Como alguém dorme sabendo que existe uma outra pessoa tendo os seus direito violados? Estamos falando de um paciente oncológico, apresentando diversos sintomas preocupantes e ninguém faz nada. Não acredito em uma interferência das autoridades brasileiras. Eles estão preferindo dizer que precisam obedecer o que diz as leis do meu país, mas no fundo, já entendemos o que eles estão fazendo conosco. Na verdade, nós sabemos que está faltando vontade de atuar. Esperamos que o Brasil não feche os olhos e garanta os direitos básicos, como garantia aos direitos humanos”, finaliza o sheik.
A libanesa Wafá Yassine todos os dias, pelas redes sociais, cobra das autoridades uma resposta. “Está todo mundo de braços cruzados. Falta empatia. Majzoub está doente, jogado dentro de uma cela. O Líbano está sendo injusto e o Brasil cruzou os braços e não se mexe ao menos para levá-lo para um hospital. Os últimos dias foram terríveis para ele. Você sabe o que é estar doente, pedir socorro e quem pode te ajudar se fazer de desentendido? É isso o que está acontecendo com um inocente aqui no Líbano. O Brasil está esperando ele morrer para enviar solidariedade para os familiares? O Líbano está sendo injusto com Majzoub e é preciso fazer algo urgente. Temos muito esperança de que o trabalho da imprensa e as redes sociais, de alguma forma, possam nos ajudar a contar para o mundo como está sendo tratado um inocente,” reclama Wafá.
Assistência consular brasileira
O Brasil, por meio do Ministério das Relações Exteriores, afirma que em conformidade com a legislação local e com os tratados internacionais vigentes está prestando assistência consular ao envolvido no caso. Por e-mail, a assessoria de imprensa do Ministério informou que: “funcionários do setor consular da Embaixada brasileira visitaram o senhor Majzoub em duas ocasiões e, cientes de sua condição de saúde, intervieram diretamente para que fosse permitido ao cidadão estar acompanhado de médico próprio quando da realização de exames em hospital local.”
Informação contestada por familiares, que alegam que Majzoub recebeu as visitas, mas nenhuma ação saiu do papel. Eles também alegam que nunca receberam nenhuma ligação do Consulado do Brasil, e que nos últimos dias, diariamente, estão tentando, por meio do Setor Consular em Beirute, uma remoção de Majzoub para um hospital, com o propósito dele fazer todos os exames necessários para uma avaliação do seu estado clínico e a possibilidade do diagnóstico de possível novo câncer.
O andamento do processo
Por ora, o objetivo maior é a saúde, segundo os advogados de defesa. Majzoub contou aos familiares que as dores estão cada vez mais insuportáveis e por causa do quadro severo de diarreia, ele está se sentindo fraco e com sinais de desidratação.
A defesa, a partir daí pretende adotar todas medidas para que o dano seja reparado, que ele seja encaminhado urgente para um hospital, submetido aos exames específicos e receba atendimento de um oncologista.
As principais testemunhas do caso já foram ouvidas. Perante a juíza responsável pelo processo de investigação, Amani Salama. Elas afirmaram que Majzoub é inocente, vítima de um atentado que resultou em uma morte. Os depoimentos corroboraram com o que a defesa vem afirmando.
A defesa explica que a justiça libanesa não está conseguindo provar a culpa da pessoa apontada como réu. A questão da inocência de Majzoub pelas provas produzidas e com pela versão dele, demostram que ele não teve nenhuma participação no crime.
“Eles são duplamente vítimas, no caso Majzoub e Mona, eles presenciaram tudo, sofreram violência psicológica, perderam uma amiga, e foram presos injustamente e indevidamente pelo Estado”, afirmam os advogados de defesa no Líbano.
O Líbano mantém Majzoub preso baseado na Constituição Federal de 1926, quando ainda era uma colônia da França. As autoridades podem mantê-lo preso em regime fechado até o término das investigações do crime, que podem durar até cinco anos.